
Egito de ponta-cabeça
Há dois anos e meio, o país árabe enfrenta uma violenta crise política, econômica e social. A revolução que luta por democracia já derrubou o ditador Hosni Mubarak, em 2011, e, após um ano de governo militar interino, Mohammed Morsi foi eleito. Entretanto, acusado de traição e deposto, o poder que estava com Morsi voltou para as mãos dos militares
Por Maurício Barroso
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Desde o dia 25 de janeiro de 2011, o Egito vive um caos político, econômico e social. Este processo teve início na Tunísia, com a chamada Primavera Árabe, revolução popular que exige maior democracia, e teve reflexo na região do Norte da África e no Oriente Médio. Os protestos antigoverno derrubaram, em menos de um mês, o então presidente Hosni Mubarak, que governou aquele país por 30 anos. Pouco mais de um ano depois, o candidato Mohammed Morsi, da Irmandade Mulçumana, foi eleito presidente em um pleito conturbado e com pouca adesão da população - o voto no Egito não é obrigatório.
Mesmo com uma maioria de votos discutível, Morsi ainda representava a mudança. Contudo, no fim de dezem bro do ano passado, após um referendo, ele oficializou uma nova e polêmica Constituição, que tinha preceitos religiosos e a perda de direitos sociais já conquistados.
Em julho deste ano, após um levante popular com 17 milhões de pessoas tomando as ruas do Cairo, o que já é considerado o maior protesto na história da humanidade, Mohammed Morsi foi deposto pelos militares.
Simpatizantes e agremiados da Irmandade Mulçumana, o maior e mais forte grupo político egípcio, saíram às ruas em protestos de apoio ao presidente deposto. A reação dos militares foi com munição pesada e, entre os dias 13 e 14 de agosto, aproximadamente 525 pessoas morreram. Esse número foi divulgado pelo Ministério da Saúde do Egito. O porta-voz do governo, Mohamed Fathalá, disse que, do total de mortos, 482 eram manifestantes, além de 43 policiais. De acordo com dados oficiais, 3.717 pessoas ficaram feridas.
Dias depois do derramamento de sangue, as forças de segurança invadiram acampamentos de ativistas favo- ráveis a Morsi, destruíram barracas e carros e atacaram manifestantes. Em resposta à violência, o governo interino do presidente Adly Mansour impôs estado de emergência e toque de recolher por um mês no Cairo e em mais 13 regiões. A onda de violência levou à renúncia do vice-presidente Mohamed ElBaradei, que disse que sua consciência estava perturbada com a perda de vidas, principalmente, pelas mortes que poderiam ter sido evitadas.
DÓLARES NORTE AMERICANOS
O apoio dos Estados Unidos ao Egito teve início na década de 1970. Ao assinar a paz com Israel, em 1979, o ditador da época, Anwar Sadat, tirou o país da influência da União Soviética. Dois pontos são cruciais para o apoio persistir por tanto tempo: o tratado de paz é fundamental para a segurança do Oriente Médio, e também de Israel, grande aliado dos EUA; além disso, o Egito controla o Canal de Suez, a mais importante rota comercial do mundo. Por isso, os EUA repassam àquele país US$ 1,5 bilhão anualmente. Grande parte deste dinheiro vai para os militares.
O apoio dos Estados Unidos ao Egito teve início na década de 1970. Ao assinar a paz com Israel, em 1979, o ditador da época, Anwar Sadat, tirou o país da influência da União Soviética. Dois pontos são cruciais para o apoio persistir por tanto tempo: o tratado de paz é fundamental para a segurança do Oriente Médio, e também de Israel, grande aliado dos EUA; além disso, o Egito controla o Canal de Suez, a mais importante rota comercial do mundo. Por isso, os EUA repassam àquele país US$ 1,5 bilhão anualmente. Grande parte deste dinheiro vai para os militares.
HOSNI MUBARAK
Apesar de ter obtido a liberdade condicional em um processo sobre corrupção, o ex-presidente do Egito Hosni Mubarak, de 85 anos, deixou o poder em 2011 e vai continuar preso, em decorrência de outras acusações. Mubarack é acusado de ser um dos responsáveis pela violência policial na contenção de manifestantes durante a onda de protestos que levaram à sua saída do poder, em fevereiro de 2011. Na ocasião, 850 pessoas morreram, de acordo com números oficiais.
LUTA POR DEMOCRACIA
Este período conturbado e violento que vive o Egito é um processo de luta por mais democracia, oriundo de uma juventude secularista, que exige o Estado lai- co, mas será que isso é possível em um país de origem teocrática? Para a historiadora e escritora Márcia Camargos, é difícil falar em democracia no modelo ocidental, visto que a religião tem papel decisivo naquele país. "Estamos diante de uma série de novos desafios em termos de análise de política internacional, já que o Estado laico é a maior reivindicação dos jovens revolucionários e, em contrapartida, existe a Irmandade Mulçumana, que defende um socialismo religioso", ex- plica ela. Márcia observa que o Alcorão, muitas vezes apontado como culpado por algumas posições funda- mentalistas, é, na verdade, avançado e reserva muitos direitos para as mulheres, por exemplo.
Este período conturbado e violento que vive o Egito é um processo de luta por mais democracia, oriundo de uma juventude secularista, que exige o Estado lai- co, mas será que isso é possível em um país de origem teocrática? Para a historiadora e escritora Márcia Camargos, é difícil falar em democracia no modelo ocidental, visto que a religião tem papel decisivo naquele país. "Estamos diante de uma série de novos desafios em termos de análise de política internacional, já que o Estado laico é a maior reivindicação dos jovens revolucionários e, em contrapartida, existe a Irmandade Mulçumana, que defende um socialismo religioso", ex- plica ela. Márcia observa que o Alcorão, muitas vezes apontado como culpado por algumas posições funda- mentalistas, é, na verdade, avançado e reserva muitos direitos para as mulheres, por exemplo.
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Manifestações violentas marcaram a derrubada do atual governo no Egito. Com os militares no poder, transição para a democracia deve demorar muitos anos e prejudicar ainda mais a economia do país, além dos direitos dos cidadãos |
Sobre o fato da deposição de Mohammed Morsi ser um retrocesso em meio ao processo de democratização do Egito, a historiadora argumenta, dizendo que a questão é complexa e controversa: "As eleições egípcias ocorreram sem alegria e tiveram uma grande abstenção. Então, dizer que ele [Morsi] teve, pelo me- nos, 50% da população a seu favor é um engano". Os números reforçam este pensamento, já que, nos dois dias da eleição do segundo turno, foram registrados apenas 24.965.772 milhões de votantes, o que representa 49% do eleitorado.
Para a historiadora, o que aconteceu não foi uma desmobilização política, mas um boicote ao pleito vindo dos jovens secularistas. "Este e outros fatos demonstram que Morsi não agradava e que estava bem distante de ser uma unanimidade"
Além de não ser uma unanimidade, Mohammed Morsi não queria ser candidato à presidência, mas foi forçado, pela Irmandade Muçulmana, a participar de um processo eleitoral conturbado, repleto de denúncias de fraude, com tendência de apoio ao candidato (herdeiro) de Mubarak, o seu ex-primei- ro-ministro Ahmed Shafiq. Existia também a possibilidade de atentados.
Ainda no primeiro turno, já existiam notícias de frau- des. O candidato de esquerda, Hamdeen Sabahy, chegou a apresentar um recurso para suspender a eleição presidencial do Egito, devido a alegadas irregularidades de voto e um processo pendente contra Ahmed Shafiq de concorrer ao pleito.

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